José Travaços Santos
Apontamentos sobre a História da Batalha (179)
Alguns mistérios que rodeiam a figura de Mestre Boytac (I)
Cativa-nos a história de Mestre Boytac (Boitaca ou Boutaca) como autor duma notável obra de arquitectura em Portugal dos finais do século XV e primeiras três décadas do século XVI e cativa-me, principalmente a mim, como a todos os batalhenses, a sua profunda ligação à Batalha, pois aqui morou e trabalhou em parte significativa da sua vida, aqui casou com Isabel, filha doutro célebre arquitecto daquele tempo, Mateus Fernandes, tão célebre que tem sepultura no próprio Mosteiro de Santa Maria da Vitória, aqui nasceram os seus filhos e aqui morreu e foi enterrado em desassossegada sepultura na lamentavelmente demolida Igreja de Santa Maria-a-Velha. Do seu túmulo resta uma laje com inscrição, que o identifica, que está exposta no Museu da Comunidade Concelhia da Batalha.
Mas cativam-nos, também, os mistérios que rodeiam as suas origens, qual a sua nacionalidade, em que data nasceu, quando veio para Portugal, se era na realidade estrangeiro (como o apelido parece indicar), qual era o seu nome próprio.
O conhecido jornalista Afonso de Melo, um dos redactores principais do jornal i, publicou no número de 8 de Janeiro desse jornal, um curioso artigo, “Torre de Belém, Entre o rinoceronte e os bois de Boitaca”, em que afirma que o arquitecto era francês, nascido em 1460 e se chamaria Jacques de nome próprio, mais tarde, evidentemente já em Portugal, passando a Diogo, o que me parece pouco lógico dado que o Jacques francês se traduziria por Joaquim e não Diogo.
Em vista destas novidades que nos deu, escrevi a Afonso de Melo que amavelmente me respondeu na volta do correio, coisa hoje já rara porque desde os particulares às entidades oficiais são pouquíssimos os que têm a delicadeza de responder. Disse-me o jornalista que H. V. Livemore, no livro “A Traveller’s History” escreveu na página 90 que “em 1494 o francês meridional Jacques Boytac tinha sido encarregado da tarefa de construir a Igreja de Jesus de Setúbal…”. Também outras fontes (Corporate Britannica) o apontam francês, talvez de Languedoc.
Ora, o nosso Sousa Viterbo na sua obra monumental “Dicionário Histórico e Documental dos Arquitectos, Engenheiros e Construtores Portugueses”, no 1º volume, página 120, sob o título “Boytac (Diogo?)”, escreve, com a autoridade que lhe é justamente atribuída: “Tem sido matéria controvertida saber qual a naturalidade de Boytac, geralmente conhecido por Boutaca, e cujo nome se acha diferentemente ortografado nos documentos contemporâneos. Se déssemos crédito ao autor da “Chronica Seráfica”, a sua pátria seria a Itália, de onde foi chamado por D. João II. Não falta quem opine que ele é português, dada a circunstância de haver um lugar próximo da Batalha, em cujas obras trabalhou, com a designação de Boutaca. Admitida a existência de tal lugar, resta provar se foi ele quem deu o nome ao artista, se foi o artista que deu o nome ao lugar. Acresce, porém, que a assinatura do artista é diferente da forma consagrada nos diplomas oficiais e nela se revela uma procedência estrangeira, Boytac, mais francesa que italiana. É no livro dos autos das medições das fortalezas de África executadas em 1514, em companhia de Bastião Luís, que aparece a sua assinatura, nitidamente escrita, unicamente o seu apelido antecedido da palavra mestre. Damião de Gois dá-lhe porém, o nome de Diogo, quando nos fornece a relação dos indivíduos que foram no ano de 1515 à desastrada expedição de Mamora… “Diogo butaca que hia por mestre da obra da fortaleza (Chronica de D. Manuel, parte III, capítulo LXXVI”.
“É no reinado de D. João II, em 1490 (o que contraria a data indicada por Livemore), que nos aparece pela primeira vez a individualidade artística de Boytac. Foi neste ano que se lançou a primeira pedra do convento de Jesus, de Setúbal…”.
Por sua vez, o Professor Doutor Saul António Gomes no estudo pormenorizado do Arquivo da Confraria do Hospital de Santa Maria da Vitória, arquivo hoje à guarda da sucessora da Confraria, a Santa Casa da Misericórdia da Batalha, refere as várias assinaturas de Boytac (Boitaca ou Boutaca) que nos anos de 1519/1520 ali desempenhou funções de Juiz, sempre Boytac, precedido o apelido da palavra mestre e sempre desacompanhado de qualquer nome próprio, pelo que como sucedeu nas medições das fortalezas de África o célebre arquitecto só usava o apelido Boytac sem nunca indicar nome próprio. Porque seria?


Evocação de Boytac
As brumas do tempo escondem o meu nascimento. Vivi como português do Renascimento, mestre de um reino a esculpir, e ninguém, melhor do que eu, pôde sentir a alma deste povo que, não sendo o meu, soube exprimir.
Destino ingrato deram ao meu corpo, em sepultura que o século vinte profanou, porém, a minha memória não está num morto mas na obra que ficou.
Obras consultadas:
Além das indicadas no texto, as seguintes obras da autoria do historiador Prof. Doutor Saul António Gomes: O Mosteiro de Santa Maria da Vitória no Século XV” (Instituto de História de Arte da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra – 1990); “Vésperas Batalhinas – Estudos de História e Arte” (Magno, 1997); “O Livro do Compromisso da Confraria e Hospital de Santa Maria da Vitória da Batalha – 1427-1544”, (Magno, 2002).
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