Francisco Oliveira Simões
Historiador
A Ala dos Namorados
Nos campos infindáveis e sangrentos das planícies agrestes, repousavam os cavaleiros de outras eras recuadas e distantes. A incerteza da vitória ou da morte eram sentimentos incontroláveis e permanentes. Os plátanos frondosos, os pinheiros altivos e intemporais reinavam nas florestas circundantes. O verde viçoso da paisagem era o maior alento daqueles guerreiros cavalheirescos e desconsolados. O exército inimigo estava perto e não pestanejava até ter conquistado aquele pedaço de terra cultivável e portentoso.
De entre todos os nobres cavaleiros, havia um que escrevia sem cessar por um segundo que fosse. Compunha cantigas de amor, numa carta para a sua amada e resplandecer divino. Só pensava nela durante os longos e vastos dias da refrega tenebrosa. Sonhava com o regresso ao castelo, onde ela o esperava por entre as ameias da muralha impenetrável e colossal. Os seus cabelos castanhos e lisos a esvoaçar pela brisa serena e silvestre. O olhar verde esmeralda, penetrante e inteligente, que tudo dizia e confessava. As linhas sinuosas e esbeltas do corpo daquela dama, reveladoras da paixão ardente e pura. A pele suava e límpida, que se arrepiava ao toque do seu enamorado. Os talentos artísticos, livres e magnânimos exaltavam de júbilo o poeta apaixonado.
Muito aprendera o nosso herói medievo com tamanha beleza e sagacidade daquela musa celestial de infinitos prodígios. Só confiava no seu regaço e palavras para desvendar os mistérios e artes que encerrava no âmago. Prometeu que se casariam quando regressasse desta batalha, mas já haviam passado semanas e não parecia que aquele confronto alguma vez tivesse um fim.
Os poemas eram tão minuciosos e repletos de imagens harmoniosas, lamurientas e sonhadoras. A carta seguia com extensos elogios pungentes e sinceros.
A dama formosa e de talento ímpar, amava e admirava o seu galanteador, pela valentia e paixão que colocava em tudo o que fazia, seja na escrita ou no beijo mais profundo que lhe roubava.
Como podia caber tal romantismo e exemplo de paixão temerária naquele século de violentos embates e indecisões?
Hoje mesmo este romance de cavalaria parece-nos distante e cristalizado numa época recôndita, só inscrita nos livros velhos e poeirentos, esquecidos pelo frio e mágoa das horas tardias. Mas e se eu vos dizer que nos dias que nos contemplam ainda existem cavaleiros e donzelas com tamanho ardor e emoção nos amores secretos ou luzidios? É verdade, esses seres raros, filhos do impossível continuam a espelhar Beethoven e Chopin.
NESTA SECÇÃO
“A Quaresma do deserto não é negação da autoestima”
(…) A nossa Quaresma recorda, não apenas a história de Israel, mas também a história pessoal...
Nª Srª das Candeias e a tradição dos fritos na Freguesia de São Mamede
Diz a tradição popular portuguesa que a 2 de fevereiro, dia de Nossa Senhora das Candeias, s...
Duarte Costa, um mestre da guitarra quase esquecido
Acontece que no domínio das artes, seja na literatura, na pintura, na escultura ou na música...