José Travaços Santos
Apontamentos sobre a História da Batalha (182)
Afonso Domingues e Huguet e alguns dos seus enigmas (I)
Foi Afonso Domingues o primeiro mestre da obra monumental de Santa Maria da Vitória? Era natural de Lisboa? Faleceu em 1401 ou 1402? Por sua vez, o seu sucessor Huguet seria catalão? Teria outra origem?
Como já disse em apontamento anterior, de vários mestres da Batalha sabe-se do seu destino mas desconhecem-se as suas origens. De Afonso Domingues, pouco ou nada se sabe tanto das origens como do destino.
Refere o notável investigador (que também foi médico, arqueólogo, poeta e jornalista) Sousa Viterbo, no seu “Dicionário Histórico e Documental dos Arquitectos, Engenheiros e Construtores Portugueses”, 1º volume, que “Fr. Manuel dos Santos, autor da VIII parte da Monarchia Lusitana” tratando do cumprimento dos votos que fizeram D. João I e o condestável pelo vencimento da batalha de Aljubarrota, e dando conta sucintamente da construção do Mosteiro de Santa Maria da Vitória, escreve… chamou-se o mestre da obra Afonso Domingues natural de Lisboa na Freguesia da Madalena, merecedor de eterna memória pela capacíssima ideia, com que delineou a fábrica… É pena que o cronista não nos indique a fonte onde bebeu esta notícia. A sua obra foi publicada em 1727”.
É curioso referir que cem anos passados sobre a publicação daquela oitava parte da “Monarchia Lusitana” por Fr. Manuel dos Santos, que com certeza se baseou mais em duvidosas informações, que se iam passando de geração em geração, do que na autenticidade dos factos, o Cardeal Saraiva, que na Batalha esteve de 1823 a 1825, por imposição miguelista, aproveitando o seu tempo para explorar o que restava do arquivo dominicano, editava na sua “Memória Histórica sobre as Obras do Real Mosteiro de Santa Maria da Vitória chamado vulgarmente da Batalha”, em que diz sobre Afonso Domingues, no capítulo dedicado aos Mestres das Obras da Batalha: “É este o primeiro mestre, de que achamos fazer-se menção em documento de 7 de Dezembro da era de 1440, que corresponde ao ano de Cristo de 1401 (cuidado com a contagem dos anos pelos dois calendários), descrevendo-se a medição de um terreno, que possuía Margarida Annes, ama que foi de Afonso Domingues, mestre da obra do mosteiro. E se reflectirmos que a obra tinha sido começada havia somente quinze ou dezasseis anos antes e que o Mestre Afonso Domingues era já falecido à data do referido documento (ler a opinião do Professor Saul Gomes mais adiante), não parecerá arremessada a conjectura, que fazemos, de que foi o primeiro arquitecto, que traçou o edifício e dirigiu a sua vasta, difícil e complicada execução”.
Ora, o Professor Doutor Saul António Gomes em “O Mosteiro de Santa Maria da Vitória no Século XV”, obra que reproduz, em 1990, a sua dissertação de mestrado e que dedica ao seu antigo professor na Universidade Nova de Lisboa, o batalhense Doutor José Magno Santos Pereira Grosso, infelizmente falecido quando muito havia de esperar do seu trabalho de investigação, diz a este propósito:
“São muito escassas as informações sobre Afonso Domingues, referido como mestre das obras do mosteiro em documento de 1401 (explicando em rodapé que tem sido datado de 1402, Dezembro, 27, Batalha. O ano novo tinha o início a 25 de Dezembro pelo que, na realidade, há que recuar numa unidade a era, resultando 1401…), o que não autoriza a supô-lo falecido nesta data. Oriundo do meio e de família cujas posses autorizavam a entrega da criança a uma ama, Afonso Domingues permanece, no entanto um desconhecido”.
A carta de emprazamento que refere o Cardeal Saraiva, copio-o agora do 1º volume das “Fontes Históricas e Artísticas do Mosteiro da Batalha”, do Professor Saul Gomes, apenas parcialmente, na parte que mais interessa:
“(…) O dito prior e cabido emprazaram a Gonçalo Anes genro da Baradala morador no dito Mosteiro (na Batalha) três talhos de vinhas que jazem (estão) um deles a par do dito Mosteiro além da água a qual foi do Faniqueiro (possivelmente donde adveio o topónimo da Faniqueira) e parte com João do Moinho e com Gonçalo Páscoa e com caminho público, e outro jaz no dito logo e parte com caminho público e com João da Besta (possivelmente um besteiro) a qual foi de Domingos Girães e outro talho que foi de Margarida Anes ama que foi de Afonso Domingues mestre da obra do dito Mosteiro e parte (confina) com Gonçalo páscoa e João Rolão (…)”.
Entre as testemunhas deste aprazamento é nomeado o mestre Auguete, aportuguesamento de Huguet, sendo provável que na data ainda não fosse o mestre da obra, senão seria designado por mestre da obra e não simplesmente por mestre (neste caso de um dos ofícios: pedreiro, carpinteiro, vidraceiro, etc.) o que quer dizer que em Dezembro de 1401 Afonso Domingues ainda não tinha falecido e ainda dirigia a obra.
A naturalidade de Afonso Domingues, cujo nome indica ser português, está por confirmar, embora podendo ser Lisboa a sua terra natal. É também provável que se tenho iniciado em obras na Sé lisboeta. A escolha feita por D. João I. deve ter sido alicerçada no conhecimento do saber na arte e nas capacidades para encabeçar uma obra da dimensão da de Santa Maria da Vitória, evidenciados por Afonso Domingues. Possivelmente já não seria novo quando assumiu o encargo da Batalha, o que nos é sugerido tanto pela experiência evidenciada como por ter falecido pouco mais de uma dúzia de anos após o início do monumento.
Onde foi sepultado?
Pondo definitivamente de parte a lenda que, em magnífica prosa, nos é contada por Alexandre Herculano, uma lenda apenas, não se sabe onde foi enterrado. Teria sido em Santa Maria-a-Velha, desaparecidos os vestígios do túmulo pela barbárie que ali foi praticada no século XX? Nos anos 20 do século passado, Pedro Jorge Ribeiro, que dirigia obras na Casa do Capítulo, julgou ter encontrado no centro da vasta quadra a sepultura do Mestre. Não sei que investigação foi feita então, mas é bem possível que se tratasse da campa de um dos priores do convento dominicano.
Continuam, assim, por esclarecer donde veio o Mestre Afonso Domingues e que destino teve o seu corpo. Julga saber-se, porém, através das nervuras das abóbadas, o trabalho que ele executou: as quatro capelas absidais da igreja, as duas naves laterais, a sacristia, os lanços leste e sul do claustro real e começo da casa do capítulo, que possivelmente Huguet acabou. As suas nervuras são redondas, as de Huguet esquinadas.
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